Valentina Soares: Somos o que somos.
Nascida Antônio Carlos Eduardo Soares Sousa, em 24 de maio de 1993 na cidade interiorana de Aiuaba - Ce, 2º em uma família de 5 irmãos, Valentina percebeu, quando criança, que gostava mais de bonecas e casinha que bola de futebol e carrinhos. Funcionária pública desde os 18 anos de idade, com formação em Serviço Social e atualmente em sua segunda graduação cursando Pedagogia, Valentina contrapõe as nefastas expectativas para transexuais em nosso país, no que de acordo com a ONG Transgender Europe, o Brasil lidera o ranking mundial de assassinatos de transexuais, onde a média de vida dessa população é de 35 anos . Também por estarem excluídos do mercado de trabalho, 90% das pessoas trans no Brasil acabam recorrendo à prostituição para sobreviver.
Atualmente funcionária na Escola pública E.E.I.F Ventura Alves de Lima, localizada na comunidade de Cedro, em Aiuaba, e morando com sua avó Marinezia de Sousa, que segundo Valentina " É a pessoa a quem devo tudo o que me tornei, e a quem considero meu pai e minha mãe". Independente, dona do seu próprio nariz e de personalidade forte, Valentina conversou com o Blog do Wal Agostinho sobre como é ser uma mulher trans no sertão de inhamuns.
Como se deu o processo de aceitação e transição da sua Transexualidade?
Valentina Soares: Desde os meus 9 anos de idade nunca me identifiquei com aspectos masculinos. Me aceitar foi uma parte difícil, pois tive que lidar com a sociedade em volta. Por haver crescido em um lugar pequeno nunca tive um exemplo que mostrasse o que eu queria ser. Aos 17 anos, após uma conversa com minha madrinha Ronieria Pereira Feitosa, que foi uma peça fundamental para que eu abrisse portas para tudo acontecer, percebi o que eu realmente desejava. Ela me ajudou a encontrar coragem para me assumir, mostrando-me o exemplo de uma transexual recém assumida chamada Mayara kelly ( Weyma), e a partir daí eu decidi o que eu queria ser.
Como é ser transexual numa cidade interiorana de 17.000 habitantes?
V.S: Acho que como todo mundo, o medo de ser rejeitado sempre foi presente, mas sempre busquei mostrar aquilo que sou: alegre, prestativa, positiva e com uma personalidade forte. Isso faz com que eu seja reconhecida e acolhida pela minha personalidade.
Sabemos que manifestações de preconceito, bulling, ameaças e agressões físicas fazem parte da rotina de alunos LGBTI´s nas escolas brasileiras. Você conviveu com tais manifestações em sua vida estudantil?
V.S: Sim, sempre existiu. Até eu descobrir o que eu era, eu não sabia lidar, sempre chorava. Quando me entendi, passei a me impor e exigir respeito pela mulher trans que sou.
Devido estarem expostos a violências simbólicas e físicas, as pessoas transgêneras são um dos grupos mais vulneráveis ao suicídio no mundo. Você já se deparou com ideações suicidas?
V.S: Sim, sempre. Pelo sofrimento, pela não aceitação tanto minha quanto da sociedade. você se sente sem chão, sem rumo e são esses pensamentos que sempre passam pela cabeça, mas uma coisa eu digo: nunca se deixe levar por esses pensamentos, busque sempre refúgio em alguém que nunca lhe abandona (Deus).
Os transexuais são excluídos do mercado de trabalho brasileiro, e 90% das pessoas trans no Brasil acabam tendo que recorrer à prostituição. Quais políticas públicas devem existir para reverter esse cenário?
V.S: Investimento em formação para capacitar essas pessoas para o mercado de trabalho. Embora o preconceito seja constante e existe sim em todos os setores, a formação é uma das buscas por crescimento profissional ajudando na inserção no mercado de trabalho.
A média de vida dos transexuais no Brasil é de 35 anos. Você teme não ultrapassar essa expectativa de vida?
V.S: Esse medo é constante, claro e evidente. Mas pelo modo de vida que levo, quando me assumi era ciente do que eu queria, assumindo todos os riscos e consequências do que tudo iria me trazer. Não diria medo de morrer, mas viverei até o dia que Deus quiser, e viverei com eu sou.
No seu cotidiano, você enfrenta manifestações de preconceito? em caso afirmativo, como lida com essas manifestações?
V.S: Sim, diariamente. Porém cheguei em um momento da minha vida em que, para mim, essas críticas de baixo calão não iriam mais me abalar. Então passei a ignorar a maioria dessas manifestações e a procurar seguir minha vida, lutando pelos meus sonhos.
Na sua opinião, o que significa para a comunidade LGBTI brasileira a criminalização da homotransfobia?
V.S: Acho que é uma das ações que podem ajudar a melhorar a condição de vida e diminuir os riscos para a vida das transexuais, intimidando e punindo aqueles que praticam atos discriminatórios e violentos contra essa população.
Qual mensagem Valentina Soares deixaria ?
V.S: Para aqueles trans que estão se descobrindo, não pensem que tem algo de errado, porque na verdade não há nada de errado em você. Mesmo que o mundo lhe feche as portas e que digam que você é uma aberração, ou que não é algo planejado por Deus, não baixe a cabeça, continue á frente de seus sonhos. O mundo não é um lugar justo, então busque se entender e entender o que te deixa confortável e te deixa feliz. Faça sempre o bem a todos ao seu redor, mostrando sempre o seu melhor. Para aqueles que já se descobriram eu digo: Somos o que somos, e por mais que queiramos ser aquilo que não somos, continuaremos a ser aquilo que realmente somos.
Por: Wal Agostinho
Fotos: Gentilmente cedidas por Valentina Soares
Tiro o chapéu pra essa pessoa.
ResponderExcluirEla é realmente uma personalidade.