O que temos no " Quarto de Despejo"?, por Liliane Rosado
Carolina Maria de Jesus, autora do livro “Quarto de Despejo”, um diário pessoal que virou livro. Carolina, mulher, negra e favelada nos apresenta um cotidiano, no Brasil dos anos 50, onde os marcadores sociais, gênero, classe e raça dão norte à sua vida, em um contexto de luta pela sobrevivência. Traduzindo a sua metáfora, a autora explica que enxerga a cidade como uma casa, o centro é a sala de visita enquanto a favela é o “Quarto de Despejo”, lugar onde jogam todo o lixo, infortúnios, coisas sem serventia. Era assim, exatamente assim, como ela sentia-se por fazer parte daquele espaço.
Moradora da favela do Canindé, na cidade de São Paulo, Carolina é uma das personagens da vida real que conheceu a fome, o desprezo, a margem. Esta leitura evoca a obrigatoriedade de uma reflexão, 65 anos depois: este Quarto de Despejo, continua existindo? O que temos no Quarto de Despejo da atualidade brasileira?
Carolina relata o descaso com ela, os filhos e com todos que dividem este território. Os políticos que só os enxergavam em épocas de campanhas eleitorais, a fragilidade de políticas assistencialistas, desprovidos dos direitos básicos, saúde, alimentação, moradia, saneamento. Vítimas da fome, violência e discriminação.
Em um dos trechos do seu diário, Carolina, ressalta que “... O Brasil deveria ser governado por alguém que já passou fome. A fome ensina muita coisa, ela também é professora...”. Nestas palavras percebemos a solidão, o sentimento de desamparo desvelado entre tantos outros depoimentos capaz de sacudir a nossa alma e buscar pelo Quarto de Despejo dos dias atuais. Onde ele está? Quem são os grupos, que assim como Carolina, são lembrados apenas em épocas de eleições? Quem são os marginalizados que habitam o Quarto de Despejo? Porque é tão difícil percebê-los? Até quando vão ficar lá, esquecidos, sem que ninguém os veja?
Leiam Carolina Maria de Jesus e os percebam nas entrelinhas, os rostos amarelados da fome!
Liliane Rosado
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